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RÁDIO NOSSA JOVEM GUARDA: Carlos Imperial e o primeiro disco do Rei

setembro 22, 2012

Carlos Imperial e o primeiro disco do Rei

Carlos Eduardo da Corte Imperial (Cachoeiro de Itapemirim, 24 de novembro de 1935 — Rio de Janeiro, 4 de novembro de 1992) foi um ator, cineasta, apresentador de televisão, compositor e produtor musical brasileiro.

Tudo começou assim...

Carlos Imperial passava em frente da boate Plaza quando viu a foto de Roberto Carlos em um pequeno cartaz que anunciava as atrações daquela noite na casa. Era pouco antes das dez horas e naquele momento Roberto Carlos estava num canto, fazendo um pequeno aquecimento da voz, se preparando para subir ao palco. Imperial chegou por trás e bateu-lhe nas costas. "Ô, meu filho, o que faz você aqui no Plaza? Vi seu retrato na porta. O que está acontecendo?" Roberto Carlos informou-o então que havia deixado o rock e que agora era um cantor de bossa nova. "O quê? Bossa nova?", espantou-se Imperial, emitindo uma sonora gargalhada amplificada pela boa acústica da boate Plaza.

Imperial costumava freqüentar aquela boate em noites de jam sessions e nunca pensou que poderia encontrar ali o Elvis Presley brasileiro, ainda mais cantando bossa nova. Roberto Carlos então explicou que depois de ouvir João Gilberto tudo mudou para ele e que aquela fase de rock era agora coisa do passado. Imperial sentou-se a uma mesa e ficou ali para ver e crer. Naquela noite, acompanhado pelo conjunto de Bola Sete, Roberto Carlos desfilou mais uma vez canções do repertório de Dolores Duran, Tito Madi e de Tom Jobim, principalmente aquelas do primeiro álbum de João Gilberto. "Eu gostei, achei muito bacana ele cantando bossa nova", afirma Imperial.

E naquela noite mesmo, Imperial vislumbrou que aquele garoto que ele conhecera imitando Elvis Presley poderia muito bem se tornar um novo João Gilberto. "Tá na hora de você gravar um disco, rapaz", disse-lhe Imperial já se oferecendo para produzi-lo. Roberto Carlos ficou feliz com a proposta, ainda mais ao saber que havia um lado bossa-novista em Imperial. Sim, o gordo também se tornara fã de João Gilberto e estava agora compondo suas primeiras canções sob a influência da bossa nova. E ele vislumbrou que o cantor certo para gravá-las estava ali, na sua frente, na boate Plaza: seu conterrâneo, o outrora "Elvis Presley brasileiro" que continuaria mais brasileiro ainda, mas agora na cola de João Gilberto.


Carlos Imperial não esperava convites. Levava Roberto Carlos para toda reunião de bossa nova que soubesse existir. Quando não existia, ele mesmo promovia em seu apartamento duplex na Miguel Lemos. E chamava jornalistas, artistas e produtores para ouvir Roberto Carlos - que ele anunciava como um futuro astro da bossa nova. "Este é o garoto. Toca um violão esperto, igual ao João Gilberto. Saca a batida", dizia Imperial, com certo exagero, para cada convidado.

A relação entre Imperial e Roberto Carlos se estreitou muito nessa época. Rico, culto e falastrão, Carlos Imperial era o oposto de Roberto Carlos em tudo, mas essa diferença só fez aproximá-los ainda mais. Imperial tinha prazer em informar e formar o novo cantor, e este em aprender as coisas com seu conterrâneo. Um dos grandes prazeres de Roberto Carlos era ir para a casa de Imperial ouvir sua coleção de discos. E ali ele passava horas ouvindo e descobrindo artistas como Ella Fitzgerald e Chet Baker, cujos discos ele nunca teve em casa.(...)

O apoio de Carlos Imperial era tudo de que Roberto Carlos precisava naquele momento. Ou seja,alguém que tinha contatos, conhecimentos no meio artístico e, além disso, a suficiente descontração, o ímpeto, o caradurismo necessários para romper qualquer barreira e chegar aos escritórios dos chefões das companhias de disco.Imperial sabia, por exemplo, fingir-se de surdo quando ouvia um não e de cego diante das portas que ostentavam cartazes de entrada proibida. E isto seria muito útil a partir de agora, quando eles iriam percorrer as gravadoras na tentativa de lançar Roberto Carlos como um novo astro da bossa nova.

Naquela época era uma mão-de-obra para um artista conseguir a oportunidade de gravar um disco - principalmente para aqueles que não tinham contrato em alguma rádio. Como não existiam fitas demonstrativas, o pretendente a astro tinha que chegar com seu violão na frente do diretor artístico da gravadora e dar o seu recado o melhor possível. Isto implicava a disponibilidade do diretor para ouvi-lo, nervosismo e tensão do candidato e, quase sempre, constrangimento para todos. Mas era assim que as coisas funcionavam para os candidatos a cantor e era assim que Roberto Carlos teria que conseguir sua chance de gravar.

Melhor se ele tivesse a indicação de alguém de grande projeção no meio artístico, pois assim poderia ganhar uma atenção maior dos diretores de gravadora. Foi pensando nisso que Carlos Imperial decidiu procurar seu colega Abelardo Barbosa, o Chacrinha, popular radialista, na época iniciando-se na televisão. Chacrinha ainda não era um nome de popularidade nacional, mas já tinha bastante força no meio artístico do Rio de Janeiro. Imperial foi encontrá-lo na Rádio Mauá e ao final de seu programa o apresentou a Roberto Carlos. "Chacrinha me recebeu muito bem, com muito carinho, com muita simpatia", recorda Roberto, que chegou lá de violão na mão. Dali os três foram almoçar na churrascaria Parque Recreio, próximo à emissora. Depois do almoço, Chacrinha pediu um café e, enquanto tomava,disse a Roberto Carlos: "Canta aí que eu quero ver você cantar". Ele tirou o violão da capa e interpretou uma velha conhecida de Chacrinha, o samba Rosa Morena, composição de Dorival Caymmi que aprendeu no primeiro disco de João Gilberto. Em seguida, Roberto Carlos cantou mais dois outros temas de bossa nova: Fora do tom e Felicidade, sambas compostos por Carlos Imperial.

Sem maiores comentários, Chacrinha lhes informou que tinha um jantar marcado para o dia seguinte, naquela mesma churrascaria, com João Leite, diretor artístico da Chantecler. Pediu então para Roberto Carlos estar presente, pois o apresentaria àquele diretor. De propriedade da empresa de Cassio Muniz, a Chantecler era uma pequena gravadora paulista que tinha como logotipo um galo com uma clave de sol. Seu elenco era formado basicamente de cantores de moda de viola e música sertaneja, mas naquele momento a Chantecler se preparava para entrar no Rio e montava um cast local mais diversificado. Era,portanto, uma boa oportunidade para apresentar um jovem cantor. Chacrinha enfatizava que João Leite estava mesmo disposto a ampliar o elenco da gravadora, que já contava com jovens artistas recém-contratados como The Jet Blacks, Sérgio Reis e Waldik Soriano. Se estes conseguiram, por que Roberto Carlos também não poderia obter uma chance de gravar na Chantecler?

Cheios de esperança, no dia seguinte, no horário marcado, Roberto e Carlos Imperial voltaram à churrascaria. Chacrinha mediou o encontro e pediu para Roberto Carlos mostrar sua bossa nova para João Leite. Roberto Carlos empunhou o violão e cantou aqueles dois temas de Carlos Imperial: Fora do tom e Felicidade. Devido ao grande movimento na churrascaria, um local realmente pouco indicado para se ouvir canções intimistas, João Leite marcou uma audição para o dia seguinte em seu escritório, no centro do Rio. Lá, Roberto Carlos desfilou novamente seu repertório de bossa nova e João Leite pareceu particularmente interessado em ouvi-lo cantar Fora do tom, composição na qual Imperial glosava Desafinado e outras canções de Tom Jobim: "Cheguei, sorri, venci/ depois chorei com a confusão/ no tom que vocês cantam eu não posso nem falar/ nem quero imaginar que desafinação/ se todos fossem iguais a vocês...". Roberto Carlos cantou esse tema umas três vezes para ele.

No dia seguinte, João Leite ligou para Imperial dizendo que gostou da canção Fora do tom, mas não aceitava o cantor Roberto Carlos. Ele queria aquela música para gravar com Paulo Marques, recém-contratado pela Chantecler, e que estava preparando seu disco de estréia na gravadora. Carlos Imperial foi categórico: sua composição só iria junto com o cantor, fora isso, nada feito. Imperial não estava realmente interessado em simplesmente gravar sua música. Mais do que isso, Imperial queria lançar um novo cantor, produzir seu disco, divulgá-lo... Por isso, só aceitava o pacote completo e, além do mais, ele nem conhecia o cantor Paulo Marques. Enfim, para Carlos Imperial naquele momento era tudo ou nada. João Leite não aceitou e ele foi com Roberto Carlos bater em outra porta.

Mais uma vez Imperial pediu ajuda ao Chacrinha, que fez uma carta de recomendação, indicando que ele levasse Roberto Carlos para ser ouvido na Copacabana Discos. Ali Roberto Carlos poderia ter como colegas Dolores Duran, Elizete Cardoso, o palhaço Carequinha e outros artistas contratados da época.


O diretor da gravadora era o compositor Braguinha, mas ele não participou da audição; tinha coisas mais importantes a fazer do que acompanhar teste de jovens cantores. Roberto Carlos cantou então para um dirigente de plantão e este também não aprovou o cantor. "Ele não tem qualidades artísticas", justificou.

Três dias depois, Imperial e Roberto Carlos foram tentar a sorte na Continental, outra gravadora nacional. Esta tinha fábrica própria e uma boa divulgação, que garantia o sucesso de seu cast formado na época por cantores como Ângela Maria, Jamelão e Carlos José. Ali Imperial e Roberto Carlos esperaram horas para ser atendidos. E dessa vez Roberto Carlos nem conseguiu cantar a segunda música.Sem muito tempo ou paciência, o diretor artístico encerrou o teste,não se interessando pelo cantor. "Vozes como a dele aparecem vinte por dia", justificou a Imperial. Em seguida eles tentaram uma cartada mais ousada: a poderosa Odeon, a gravadora de João Gilberto, Anísio Silva e Celly Campello. Imperial conseguiu marcar uma audição com o diretor artístico Aloysio de Oliveira, o mesmo que contratara João Gilberto. Quem sabe ele poderia também se interessar por Roberto Carlos. Não foi o que aconteceu e mais uma vez Roberto Carlos voltou para casa sem ter onde gravar seu primeiro disco.


Nessa época, Roberto Carlos andava com vistosas olheiras porque percorria as gravadoras durante o dia e trabalhava na boate Plaza à noite, chegando em casa ao amanhecer. Mas esta era a única forma de conseguir alguma coisa. E, de posse de uma já surrada carta de recomendação do Chacrinha, ele foi com Imperial bater à porta da gravadora Polydor -que pouco depois seria comprada pela Philips. A representação da Polydor no Brasil era fraca, não tinha um grande elenco nem estúdio próprio, mas o selo era de uma gravadora alemã de grande porte, a Deutsche Grammophon. A Polydor tinha lançado o cantor Agostinho dos Santos e naquele ano de 1959 emplacara um grande sucesso nacional, a balada Quem é?, gravada na voz do próprio autor Osmar Navarro: "Quem é/ que te cobre de beijos/ satisfaz seus desejos/ e que muito lhe quer...".

Imperial e Roberto Carlos foram recebidos na Polydor pelo diretor artístico Joel de Almeida - ex-integrante da dupla Joel e Gaúcho, que nos anos 30 e 40 emplacou vários sucessos de carnaval. Naquele momento já afastado da carreira de cantor, Joel de Almeida se dedicava à administração da gravadora. Joel recebeu Roberto Carlos em seu escritório, no centro do Rio, e ali o cantor mostrou dois daqueles temas de bossa nova compostos por Carlos Imperial e um do repertório de João Gilberto. Como ocorria na época com a maioria dos cantores da velha guarda Joel de Almeida não se entusiasmava muito com bossa nova e não demonstrou maior interesse por Roberto Carlos; mas é provável que não se entusiasmasse nem mesmo com o próprio João Gilberto. Chamou a sua atenção, entretanto, o fato de que o garoto cantava realmente parecido com João Gilberto, e isto poderia ser interessante comercialmente, especialmente cantando aquela canção Fora do tom, que glosava Desafinado.

Além disso, Joel de Almeida alimentava uma velha rivalidade com Aloysio de Oliveira, o diretor artístico da Odeon. Os dois se estranhavam desde os velhos tempos do rádio, quando Joel fazia dupla com Gaúcho e Aloysio pertencia ao conjunto Bando da Lua. E Joel viu naquele garoto que imitava João Gilberto uma boa chance de provocar Aloysio de Oliveira, que se gabava de ser o lançador do papa da bossa nova. Por tudo isso, ao contrário dos diretores das outras gravadoras, Joel de Almeida aceitou gravar um disco com Roberto Carlos na Polydor - com a recomendação de que ele acentuasse ainda mais na imitação de João Gilberto.

Definida a contratação, em julho de 1959, Roberto Carlos entrou no estúdio para gravar o primeiro disco de sua carreira. A gravação foi no estúdio da Philips, no Rio, que a Polydor alugava para seus artistas. Acompanhado por um conjunto rítmico da Polydor, que se esforçou para fazer o estilo bossa nova, Roberto Carlos gravou a primeira das duas faixas do 78 RPM, Fora do tom, de Carlos Imperial, e em seguida João e Maria, composição dele com Imperial, que acabou ficando com o lado A do disco.


Um dos momentos mais emocionantes da carreira de Roberto Carlos foi quando ele chegou ao escritório da gravadora e recebeu o seu disco nas mãos. Ele lia e relia seu nome no rótulo, virava o disco de lado, revirava, olhava novamente. Era verdade, lá estava: Roberto Carlos, Polydor, João e Maria e Fora do tom. "Saí da gravadora com o disco debaixo do braço, feliz da vida. Tomei um trem para Lins de Vasconcelos e quando cheguei em casa dei o disco de presente para minha mãe", recorda Roberto Carlos. Dona Laura abraçou e beijou o filho, pois sabia que desde que ele cantara pela primeira vez no rádio, aos nove anos, sonhava com esse momento. Mas nem ela nem o marido ou outros filhos puderam ouvir o primeiro disco de Roberto Carlos imediatamente. Naquela época não tinha vitrola na casa de Roberto Carlos.(...)

(...)o disco não aconteceu: ninguém comprou, ninguém tocou, ninguém ouviu. Mas o contrato com a Polydor ainda estava em vigor e havia a promessa de se gravar outro disco, talvez até um possível LP de Roberto Carlos. Porém, o tempo foi passando e nada de concreto acontecia. A gravadora não se manifestava e Carlos Imperial foi ficando impaciente. Conhecedor dos meandros da indústria do disco, ele sabia que isto podia ficar assim por anos a fio. Imperial resolveu então blefar para pressionar a Polydor. Roberto Carlos era contra, achava melhor esperar um pouco mais, afinal seu disco não tinha feito nenhum sucesso. Mas Imperial, com seu ímpeto e estilo voluntarioso, resolveu dar a tacada e fazer uma grande encenação.

Não conseguiu falar com Joel de Almeida, mas se apresentou ao diretor artístico José de Ribamar, exigindo que a Polydor revelasse seu projeto para Roberto Carlos. Imperial afirmou que o seu artista tinha convites para gravar em outras companhias de disco e que ele poderia aceitar, caso a Polydor não definisse um projeto. Ribamar ouviu pacientemente a queixa de Imperial e na mesma hora apresentou os planos que a Polydor tinha para o jovem cantor: a rescisão do contrato. Irrevogável e imediatamente. "O senhor pode assinar com quem quiser. O seu cantor está liberado", afirmou José de Ribamar, que nem consultou Joel de Almeida para tomar essa decisão. Ele sabia que aquela tinha sido uma aposta provocativa de Joel em Aloysio de Oliveira - e uma aposta que não surtira nenhum efeito. Assim, sem choro nem vela, Roberto Carlos foi dispensado da gravadora Polydor. Eram pouco mais de duas horas da tarde quando Roberto Carlos e Carlos Imperial desceram do prédio da gravadora, no centro do Rio. Eles entraram num bar ao lado e pediram dois pastéis com caldo de cana.

NOTAS:

Músicos que participaram da gravação do primeiro disco de Roberto Carlos:
Sut - Bateria
Marinho - Baixo
Copinha - Flauta
José Maria e Baden Powell - violões

Há controvérsias sobre a data de lançamento deste primeiro disco. Algumas fontes afirmam que foi gravado e lançado em JULHO de 1959, outras dizem ter sido gravado em JULHO e lançado em AGOSTO de 1959.

Este disco foi reeditado em SETEMBRO de 1968, no compacto simples nº 51.044, pela Polydor.

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