Ele calçou a voz do Rei. Lafayette, tecladista dos grandes discos da Jovem Guarda.
Gravada por Roberto Carlos em 1965, Quero que Vá Tudo pro Inferno carrega uma das mais expressivas marcas dos clássicos da jovem guarda: o hipnotizante órgão Hammond tocado por Lafayette Coelho Vargas Limp, instrumentista que ajudou a formatar a sonoridade do iê-iê-iê. Requisitado por outros pop stars, a exemplo de Erasmo Carlos, Jerry Adriani e Wanderlea, ele não demorou a fazer sucesso também na carreira-solo: gravou quarenta LPs. Mergulhado no limbo a partir da década de 80, o tecladista só foi resgatado recentemente por iniciativa do guitarrista Gabriel Thomaz, da banda de rock Autoramas, que o encontrou tocando no Caneco 90, restaurante e casa de shows em São Gonçalo. No sábado (17), ele, Thomaz e o grupo Os Tremendões visitam o Teatro Rival. A seguir, ele conta detalhes do auge e do declínio.
Ele estava tocando em bailes e restaurantes de Niterói até ser resgatado pela rapaziada para o revival de 40 anos de Jovem Guarda com a banda Os Tremendões que acontece às quintas-feiras no Teatro Odisséia, na Lapa, Rio. Uma tremenda injustiça. Lafayette Coelho Vargas Limp, 62 anos, é o menos lembrado da Turma da Matoso, uma rapaziada que parava ali na Haddock Lobo esquina com Matoso na Tijuca, em frente ao cinema Madri. Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wilson Simonal, Jorge Ben e Tim Maia formam a linha de frente, mas a sonoridade da Jovem Guarda não seria a mesma sem Lafayette e seu órgão Hammond B-3. Para confirmar é só ouvir a caixa com os discos dos anos 60 de Roberto Carlos para ver o maravilhoso órgão calçando a voz do rei, fazendo solos e introduções.
Duas músicas me deram muito destaque, Quero que vá tudo para o inferno e Não quero ver você triste assim, em que ele só declama. A primeira parte desta última o Roberto levou pronta, ele queria viajar, mas deixar a música pronta e não tinha a segunda parte. Eu falei para ele que a gente podia ir improvisando, que eu não ia fazer nada que chocasse com a primeira parte, fui tocando o que vinha na cabeça, ele gostou e ficou - conta Lafayette numa mesa da praça de alimentação do Shopping Niterói, onde ele faz a happy hour das quintas-feiras.
Quando se pede para citar outros sucessos em que tocou, ele não deixa por menos.
- Todas as músicas que tiverem órgão sou eu. Gravava com Roberto, Erasmo, Jerry Adriani, Wanderléia, Renato e Seus Blue Caps, Trio Esperança, Golden Boys e muitos outros - diz ele. Ele não ficou só na aba dos cantores, teve sua própria trajetória. Tudo começou quando Erasmo o chamou para tocar em duas faixas, Na onda do jacaré e Terror dos namorados.
- Era para tocar piano. No estúdio vi um órgão num canto, consegui ligar e fiquei tocando. O Erasmo gostou e decidiu trocar o piano pelo órgão. Quando o disco ficou pronto mostramos para o Roberto e ele me chamou para tocar nos discos dele. Aí todo mundo começou a pedir e o órgão entrou definitivamente nas gravações de jovens.
Sucesso com série de discos instrumentais
Na segunda etapa, o então diretor geral da CBS (atual Sony Music), Evandro Ribeiro, o contratou para gravar discos solo. Ele decidiu que o primeiro seria de samba, com sua namorada Dina Lúcia, com quem está casado até hoje, nos vocais.
- Como era influenciado pelo conjunto de Ed Lincoln, ia sempre aos bailes, resolvi gravar um disco de samba. Não aconteceu nada, só vendeu para a família mesmo. Ele disse então que eu ia gravar do jeito que ele queria, aí me deu as primeiras musicas de Beatles, Roberto Carlos... gravei e estourou logo - conta ele.
Foram 18 mil cópias vendidas, uma surpresa para todo mundo. Assim nasceu, em 1966, a série de mais de 30 volumes Lafayette apresenta os sucessos, que levaria nosso amigo a faturar alto, não na estratosfera de Roberto e Erasmo, mas o suficiente para ter seus carros importados, ônibus próprio de excursão e jatinho alugado para receber prêmios em São Paulo. Vidão. Nessa época, depois de 1966, ele diz que já não podia gravar tanto porque tinha que cumprir agenda própria.
Ele conta que adorava as sessões de gravação, em geral bem simples, menos quando era com o Roberto Carlos que, para ele, não era o mais exigente.
- Ele era o mais indeciso. O Roberto levava o violão, mostrava a música, a gente fazia o arranjo, ensaiava e gravava até 10 vezes de maneiras diferentes para ele escolher o que gostava mais. Às vezes eram seis horas da manhã, a gente passando a música a noite toda e ele dizia que a primeira era a melhor. O estúdio era uma festa, todo mundo ia ver a gravação do Roberto, Wanderléa, Erasmo, Jerry... por isso as gravações saíam com um clima legal, bem espontâneo.
Sonho era acompanhar Elvis no Brasil
Lafayette teve um dos primeiros grupos de rock do Brasil, por volta de 1954, pelo que lembram seus castigados neurônios, The Blue Jeans Rockers, que gravou uma única música que nem foi lançada, Não faça isso, versão de Blue suede shoes, de Carl Perkins, consagrada por Elvis Presley. Na seqüência teve várias bandas, acompanhou shows no Rio de Neil Sedaka (do sucesso Oh Carol) e de Jimmy Cliff, este numa churrascaria de Botafogo (o do Neil ele não lembra onde foi), mas seu grande sonho não se realizou: ele queria que Elvis viesse ao Brasil para lhe oferecer seus préstimos.
A memória avariada ainda lembra algumas historinhas daqueles tempos. Você sabia que o Luiz Ayrão dormiu na porta da gravadora para conseguir mostrar "Nossa canção" para o Roberto? A gravação foi até sete da manhã, quando o Roberto saiu, lá estava o Ayrão atravessado no chão, mandando olha aqui, presta atenção...
A segunda: No final dos anos 60 apareceu um tal Paulo Sérgio que imitava o Roberto e o deixou zangado a ponto de lançar um disco em 1968 chamado O inimitável. Era o que se contava. Mas Lafayette jura que a história foi outra:
- O cara que mais preocupou o Roberto na época foi o Ronnie Von, com aquela história de galã, príncipe... O Roberto ficou muito abalado - nem sei se ele vai gostar se souber que estou falando isso. Depois ele viu que nada tinha a ver, que Roberto é Roberto mesmo.
Você ainda tem contato com o pessoal da jovem guarda? De vez em quando encontro o Erasmo, o Jerry. O Roberto nunca mais, nem lembro quando foi a última vez que o vi.
OBS: Para ouvir o vídeo é aconselhavel dar pausa na música de fundo na barra abaixo de sua tela