Embora não fale publicamente sobre o acidente, Roberto Carlos aborda o tema em duas músicas do início dos anos 70 que se relacionam já a partir dos títulos. "O Divã" tem letra descritiva: "Relembro bem a festa, o apito / E na multidão um grito / O sangue no linho branco / A paz de quem carregava / Em seus braços quem chorava". Em "Traumas", a referência é mais sensorial: o "delírio da febre que ardia / no meu pequeno corpo que sofria / sem nada entender".
O acidente o marcou - nem poderia ser de outro modo. Em "O Divã", ele próprio indica, de forma confessional, que o trauma de infância ainda o acompanha: "São problemas superados / Mas o meu passado vive / Em tudo que eu faço agora / Ele está no meu presente". E insiste no refrão: "Essas recordações me matam". Mas avaliar a intensidade do impacto que essa fatalidade significou para a sua vida, música e carreira é uma questão em aberto. Supõe-se que o acidente contribuiu para despertar em Roberto Carlos o interêsse pela música, "apartando-o de vez do futuro previsível para jovens de sua condição".
Como quer que tudo isso tenha se processado na cabeça de Roberto Carlos, o fato é que a música logo se sobrepôs à dor. É uma metáfora dessa superação o fato de que, dos objetos que carregava naquela partida definitiva de Cachoeiro do Itapemirim, tenha sido o violão - e não as muletas, logo substituídas por uma prótese - que o acompanharia no Rio de Janeiro.