Falar de Jovem Guarda é muito mais do que falar de um programa, apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, que transformou, a partir daquele inesquecível agosto de 1965, as ociosas tardes de domingo, em jovens tardes de velhos tempos, belos dias...
Falar em Jovem Guarda é falar de um movimento musical que revolucionou, por inteiro, a música popular brasileira, na década de 60.
De uma frase do líder revolucionário soviético Vladimir Ilich Lênin: “o futuro pertence à jovem guarda, porque a velha está ultrapassada”, surgiu a idéia do publicitário Carlito Maia, para o nome Jovem Guarda.
Muito mais do que alguns programas de TV, inúmeros show e milhares de discos gravados , uma revolução, a marca de uma geração que começava a buscar seu lugar ao sol...
Na verdade, a Jovem Guarda foi a materialização de tudo aquilo que os pioneiros do rock brasileiro sempre sonharam. Nascia a música pop brasileira, movida a guitarras, provocando, pelas ruas do país inteiro, a mesma revolução romântica que os adolescentes de Londres ou da Califórnia experimentavam a bordo da Beatlemania.
Aparentemente ingênua, a poesia da Jovem Guarda falava a milhões de brasileiros com uma linguagem simples, direta, popular. O universo poético do iê-iê-iê brasileiro permitia a paixão por carros, sejam eles calhambeques, Ford bigodes, vermelhos ou não; permitia estilos diferenciados onde usar cabelo na testa, anel brucutu, botinha sem meia e calça boca de sino era o maior “barato”. Ao mesmo tempo, ao retratar a solidão das grandes metrópoles, os amores impossíveis, e seus tipos estranhos, esse universo poético transformou tudo em uma doce mistura entre o saudosismo dos anos 50 e a contemporaneidade pop dos super-heróis, revistas em quadrinhos e seriados de TV.
De irreverentes a românticos, cada um teve seu papel dentro do contexto Jovem Guarda. Enquanto Erasmo Carlos assumia o papel de Tremendão, encarnando, com sua Fama de Mau, o lado irreverente do Movimento; Roberto Carlos, com certeza, foi o poeta popular que confortou a alma jovem, dando-lhes a esperança de que é possível, sim, se apaixonar, sinceramente, por alguém.
O fato é que, em meados dos anos 60, não existia nenhum tipo de análise sócio-cultural ou artística que mostrasse a realidade da Jovem Guarda como um movimento cultural importante. De repente, não havia mais adultos em formação ou crianças crescidas. Havia jovens, dando as cartas e protagonizando uma nova era para a história da MPB.
E isso mexeu com a chamada “MPB tradicional” ou “intelectualidade oficial”, levando diversos expoentes de um outro movimento intitulado “bossa nova”, a organizarem verdadeiras manifestações de “guerra ao ie-ie-ie de Roberto Carlos e a Jovem Guarda”.
Como curiosidade, um dos grandes micos da história da música popular brasileira foi quando um grupo de artistas, adeptos da Bossa Nova, e encabeçados por Elis Regina, Jair Rodrigues, Edu Lobo, Geraldo Vandré e MPB-4, acompanhados por um constrangido Gilberto Gil, saiu às ruas, numa manifestação que ficou conhecida como “Passeata contra as guitarras elétricas.” Mesmo apresentada como um protesto contra a “invasão da música estrangeira”, a manifestação não atraiu artistas mais abertos como Caetano Veloso, Nara Leão e Chico Buarque. Pegou mal...
E como tudo tem seu tempo, (afinal Roberto Carlos começou tocando bossa nova, em violão acústico...) , alguns anos mais tarde, restou à musa Elis Regina, redimir-se do “mico” gravando sucessos do Rei, como “As curvas da Estrada de Santos”. Essa foi a primeira música de Roberto gravada por um artista consagrado.
Seria o Fino da Bossa rendendo-se aos acordes elétricos da Jovem Guarda ou o seu tardio reconhecimento como um movimento que representou a bandeira de todos os jovens do Brasil ?
OS GRANDES ÍDOLOS DA JUVENTUDE:
Quando a Jovem Guarda entrou no ar, naquele inesquecível 22 de agosto de 1965, e as tardes de domingo ficaram mais jovens, o cenário do Movimento era só um: Roberto Carlos era O Rei; Erasmo Carlos, o Tremendão; Wanderléa, a Ternurinha. Wanderley Cardoso era O Bom Rapaz; Eduardo Araújo, O Bom; Jerry Adriani, o Italianíssimo; Martinha, o Queijinho de Minas, Rosimary, A Boneca Loira que canta; e Ronnie Von, o Pequeno Príncipe, numa irônica provocação da mídia ao Rei Roberto Carlos. Além dos ícones, rapidamente transformados em ídolos, integraram a Jovem Guarda, grupos de rock instrumental, duplas vocais e intérpretes que entrariam para a história do Rock brasileiro.
Intérpretes: Sérgio Reis, Ed Wilson, Boby Di Carlo (o do “Tijolinho”), Antônio Marcos, Paulo Sérgio e as cantoras Meire Pavão, Cleide Alves, Silvinha, Vanusa e Waldirene, a garota papo firme que o Roberto falou...
Grupos : The Bells, The Jordans, The Jet Blacks, Os Brasas, The Clevers (depois, Os Incríveis), Os Jovens, The Angels (depois, The Youngsters), The Brazilian Bitles, The Fevers.
Duplas e Grupos Vocais: Os Vips, Deny e Dino, Leno e Lílian, Tha Golden Boys, Renato & seus Blue Caps; Os Caçulas, Trio Esperança, Os Iguais (que revelou Antônio Marcos).
A Jovem Guarda teve sua geração de compositores como Getúlio Cortês (de “Negro Gato”, gravada por Roberto), Leno, Lílian Knapp, Carlos Imperial, Roberto e Erasmo, e Helena do Santos.
Mas, assim como a palavra de ordem era uma adaptação do “yeah,yeah,yeah” dos Beatles, a maioria dos sucessos da Jovem Guarda veio mesmo de versões de sucessos do rock americano, britânico, italiano e até japonês. Tudo, em função da rápida massificação e industrialização do Movimento. Os grandes versionistas foram Renato Barros, Rossini Pinto e Erasmo Carlos.
Entre as bandas, curiosamente, as principais eram egressas do rock instrumental e da surf music.
Os Youngsters, que gravaram com Roberto Carlos, o clássio É proibido Fumar, de 1964) eram The Angels, no início dos anos 60.
Esse também foi a trajetória de um grupo que começou em 1960 com o nome esquisito de Bacaninhas do Rock da Piedade e se transformou na principal formação musical da Jovem Guarda: Renato & Seus Blue Caps.
Os Incríveis, talvez a melhor reunião de bons músicos da Jovem Guarda, atendiam por The Clevers. Uma curiosidade que poucas pessoas sabem é que o grupo de rock brasileiro dos anos 70, conhecido por Casa das Máquinas, foi formado por alguns integrantes de Os Incríveis. Apesar de sintonizados com a Beatlemania que assolava o planeta, o iê-iê-iê compartilhava muito mais influências do que reproduzia o som dos Beatles.
A partir de 1966, quando alguns sucessos da Jovem Guarda chegaram a Portugal, França, Argentina, México e Uruguai, o Movimento conquistou uma enorme capacidade de multiplicação, fazendo brotar um novo grupo de guitarras em cada esquina. Era a “explosão das garagens”, onde as bandas de fundo de quintal saíam da toca para invadir os clubes sociais, rádios, televisões, aniversários e festas de igreja, e que logo estariam embarcando na viagem psicodélica dos americanos e ingleses, como foi o caso de um grupo formado por Rita Lee e os irmãos Sérgio e Arnaldo Dias Baptista, ou, simplesmente, Os Mutantes.
Embora considerados, até hoje, por grande parte dos críticos e historiadores, um bando de cafonas, apolíticos e alienados, os astros instantâneos, e as carreiras meteóricas, que formaram o universo da Jovem Guarda, ajudaram a forjar uma profunda e verdadeira identidade para o rock produzido no Brasil.
Entre as inesquecíveis canções que entraram para a história do Movimento, destacam-se clássicos, entre composições e versões, como:
Que vá tudo para o inferno – Roberto Carlos
Calhambeque – Roberto Carlos, versão para Road Hog, de John Loudermilk.
Festa de Arromba – Erasmo Carlos.
O Bom – Eduardo Araújo
Prova de Fogo – Wanderléa
Menina Linda- Renato & Seus Blue Caps, versão para I Should Have Know Better, dos Beatles.
Pensando Nela – Golden Boys, versão para Bus Stop, do The Hollies.
Pobre Menina – Leno & Lilian, versão para Hang on Sloopy, do The McCoys.
Coruja – Deny & Dino
Tijolinho – Bobby Di Carlo
Coração de Papel – Sérgio Reis
Eu Daria minha Vida - Martinha
Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones – Os Incríveis, versão de Era um regazzo che come me... do italiano Gianni Morandi.
Esses são sucessos que, pela sua originalidade, permanecem vivos, até hoje, seja através de regravações por seus intérpretes originais, ou através de covers de grupos atuais, que não cansam de prestar seu tributo aos desbravadores do rock brasileiro.
Mas a Jovem Guarda, muito mais do que um movimento, é uma paixão, eternizada na originalidade dos LP´s, nas prateleiras de colecionadores do mundo inteiro, que insistem em transformar suas tardes, em inesquecíveis “jovens tardes de domingo”.
Fonte: Kika Teixeira/http://natrilhadovinil.blogspot.com.br